Gramsci, um desconhecido bem conhecido
Existe um paradoxo a respeito de Antonio Gramsci, o pensador italiano responsável pela sobrevida do marxismo e do comunismo em todo o mundo em pleno século 21. Enquanto a imensa maioria dos leitores dos principais jornais do país, entre eles a Folha, O Globo e o Estadão, desconhece sua obra, entre os que a conhecem, ele já causa certo tédio.
É que uma privilegiada minoria que sabe ser Gramsci a grande inspiração para a esquerda mundial, no Brasil, principalmente, já não tem tanta curiosidade em saber mais a respeito do que ele preconiza em seus “Cadernos” escritos na prisão.
Assim, confesso, envergonhado, que, além do horário ingrato, tive certa preguiça em participar da palestra do general Sérgio Coutinho, um especialista em Gramsci, talvez do nível de um Carlos Nelson Coutinho. O general, autor de um livro precioso sobre a aplicação das idéias do italiano por aqui, deu palestra esta semana no Clube Militar no centro do Rio.
Como já disse, não pude ir mas uma fonte contou como foi. Partilho com os leitores desta página, abaixo, suas impressões:
Assisti hoje no auditório do Clube Militar à palestra do general Coutinho, sobre a teoria de Antonio Gramsci aplicada no Brasil no momento atual.
Muito boa palestra, pena que a presença foi de apenas cerca de 25 pessoas, quase todos militares inativos (alguns generais e pelo menos um brigadeiro).
O general abordou a tomada do poder através da violência revolucionária, ou seja, um golpe em um momento dado, e a tomada do poder através da não violência, conforme escreveu Gramsci. Esta ocorre em duas etapas, conforme a clássica teoria do marxismo-leninismo: uma etapa nacional e democrática, que segundo ele, já teve início e uma outra seguinte, que conduz diretamente ao socialismo.
A etapa gramsciana (nacional e democrática) objetiva privar a classe dominante da direção da chamada sociedade civil ANTES de atacar o poder do Estado-burguês. A destruição da "velha ordem" não passa de um momento na vasta modificação histórica das formas culturais e sociais. O objetivo dessa batalha - que a maioria da população não enxerga por total desconhecimento das coisas do marxismo - é conquistar, um após outro, todos os instrumentos de difusão ideológica (escolas, universidades, editoras, meios de comunicação social e sindicatos) uma vez que, atualmente, os principais confrontos não se dão nas fábricas, nas ruas ou nos quartéis, mas na esfera cultural.
Dessa forma estaria abandonada a generalizada tese marxista-leninista de uma crise catastrófica que permitiria, num momento dado, a bem sucedida intervenção de uma vanguarda revolucionária.
O poder, hoje, não é mais um objeto que se tome, pois ele está diluído nos instrumentos de difusão ideológica antes mencionados. Hoje a guerra contra o "sistema dominante deve ser prolongada e difícil, exigindo excepcionais qualidades de paciência e espírito inventivo" (palavras de Gramsci). E mais, ainda segundo Gramsci: "o partido, portanto, deve adotar a sua tática a essa eventualidade, sem receio de parecer que não é revolucionário".
E o general foi por aí afora, numa palestra com a duração de aproximadamente uma hora.
Observação: o general é esperto. Quando ele fez uma citação de que hoje só existe um partido em condições de levar avante todo esse processo, o Partido dos Trabalhadores, eu fiz uma pergunta: general, mas qual PT?
Ele rapidamente colocou na tela uma transparência mostrando o saco de gatos que é o PT (metade com um monte de tendências da esquerda revolucionária e a outra metade da tendência Articulação, à qual Lula, Zé Dirceu e outros expoentes pertencem) e disse que já esperava por essa pergunta.
Enfim. Saiu-se muito bem e foi aplaudido.
"Der Zauberberg"
"E me irrita ver tamanha confusão quando um prega a república universal, internacional, e abomina a guerra por princípio, mas ao mesmo tempo é tão patriota que reclama a todo custo a fronteira do Brenner, ao passo que o outro considera o Estado uma obra do diabo e decanta a união geral que surge no horizonte, mas no próximo instante defende o direito do instinto natural e zomba das conferências de paz. Temos de visitá-los para formar uma opinião".
O pequeno texto acima em itálico está em "A Montanha Mágica", o mais famoso livro do alemão Thomas Mann, descendente de uma brasileira de Paraty e talvez o maior romancista em sua língua de todos os tempos. Minha admiração por este livro me levou a conhecer o cenário que o abriga, a pequena Davos, hoje mais famosa, entretanto, por receber todos os anos o Fórum Econômico Mundial, onde estará Lula dentro de poucos dias.
Estive lá em 1996 quando pude conhecer o antigo sanatório onde o herói, Hans Castorp, passa seus dias convalescendo de uma tuberculose, rotina que o leva a ter dezenas de refeições por dia e a oportunidade de conhecer as opiniões que até hoje dividem o mundo nas figuras do petulante Senhor Settembrini e do misterioso Naphta.
O principal trunfo de Mann, neste caso, foi o de ter antecipado em quase cem anos as discussões que hoje dominam a mídia mundial. Resumidamente, há o comunista, idealizador de um mundo sem fronteiras e seu oponente, inimigo do Estado e homem individualista. Estão representados aqui a maçonaria, o ateísmo, a Cia de Jesus, um extrato daquilo que vem dominando a Humanidade nos últimos dois séculos. Entre os dois personagens, responsáveis pelas melhores passagens da novela, está o jovem Castorp, um investigador puro e maleável às opiniões então conflitantes. O livro, pode-se dizer, é a história de sua transformação.
Mas o que pensava Thomas Mann? Por qual personagem exatamente ele fala? Settembrini, Naphta ou o próprio Castorp? É melhor ler o livro. Mais importante que a resposta é observar sua fantástica percepção do que é a nossa consciência e para onde ela pode nos levar, perigosamente. Eis um trecho revelador da magnitude de sua compreensão humana: "A consciência de si mesma era, pois, uma simples função da matéria organizada em prol da vida para se conhecer a si própria, na auto-investigação da natureza que sempre acaba sendo vã, visto a natureza não se poder resolver em conhecimento e a vida não ser capaz de contemplar os últimos segredos de si mesma".
Estaria aqui a gênese intelectual do totalitarismo (diabólico) tão perfeitamente apurada por Thomas Mann e matéria-prima usada por Descartes, Kant e toda a filosofia moderna? Não tenho condições de responder. Outros leitores de "Der Zauberberg" já o fizeram ou ainda o farão. Por enquanto, relembro uma outra Davos, a de Castorp e sua turma tomando um chocolate quente no amplo avarandado do sanatório Berghof.
Nahum Sirotsky pronto para a guerra
Falei no sábado, pelo telefone, com o "Veínho", em Tel Aviv. Um dos maiores jornalistas deste país, aos 77 anos exibe grande vigor e coragem. Abaixo, um pequeno trecho com suas últimas impressões sobre a guerra contra o Iraque e a crise na Venezuela:
Vai ter guerra?
Em poucas semanas. O problema de se obter mais detalhes é que aqui todo mundo mente (risos).
Vai acabar sobrando para Israel...
Para variar vai. Por aqui já estão distribuindo aquelas máscaras. Acho tudo isso inútil.
O que você acha da Coréia do Norte?
Há uma evidente ação coordenada entre os dois ditadores, Saddam e Kil Jong Il. Por que a Coréia resolveu fazer chantagem agora? Mas primeiro vem Saddam.
Mudando de continente, e o Chávez? O que você achou do apoio do Lula?
Achei um tremendo erro do PT em tornar claro o apoio ao Chávez. Uma coisa é a afinidade ideológica, outra o interesse do país. Não acho boa idéia um confronto aberto com os EUA. Lula está muito mal assessorado.
Quando você volta ao Brasil?
Vou tentar voltar depois da guerra, se sobreviver. Tenho netos aqui. Quero estar com eles.
Quem é quem no FSM
Um leitor e fonte especial desta página detalha abaixo algumas das “personalidades” do regime comunista cubano presentes ao III Fórum Social Mundial que começa esta semana em Porto Alegre (RS). A participação de líderes e burocratas comunistas no evento bancado principalmente pelo contribuinte brasileiro (através das administrações públicas do PT e simpatizantes, como o governador peemedebista gaúcho Germano Rigotto) se não desmascara por completo a intenção “pluripartidária” e “multiideológica” do encontro ajuda a se ter uma idéia do perfil das organizações de esquerda que nele predominam e o comandam.
Segundo o jornal Granma, já se encontram em Porto Alegre, para o FSM os seguintes funcionários do regime cubano: (o que está em negrito foi acrescentado pela fonte de Guidalli.com):
OTTO RIVERO – secretário da União de Jovens Comunistas (UJC), dirigindo um numeroso grupo de jovens cubanos que ficarão no acampamento instalado no Parque Mauricio Sirotski. Lá se encontram cerca de 3 mil jovens de vários países da América Latina, EUA, Canadá e Europa. Espera-se que até o dia do início do FSM (23 de janeiro) esse número ascenda a 30 mil.
OTTO RIVERO TORRES é o Primeiro Secretário da UJC desde março de 1998. É membro do Conselho de Estado – órgão composto por 31 membros que representa o Parlamento entre uma e outra sessão, chefiado por Fidel Castro.
MIRIAM YANET MARTIN, presidente da Organização de Pioneiros José Martí.
LEONEL GONZALEZ, secretário de Relações Internacionais da Confederação dos Trabalhadores Cubanos (CTC).
TUBAL PAEZ, presidente da União de Periodistas de Cuba (UPEC) desde 1995. Em 1998 era um dos diretores do Granma, jornal que integra a estrutura do Departamento de Orientação Revolucionária (um dos Departamentos do Comitê Central).
ROBERTO VERNIER, presidente da Associação Nacional de Economistas e Contadores (ANEC).
DORA CARCAÑO, representante da Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM). DORA CARCANO ARAÚJO foi membro suplente do Comitê Central na década de 80. É coordenadora para a América Latina da FDIM. Na década de 80 foi vice-presidente da Associação de Amizade Cuba-Polônia (obs: todas as Associações de Amizade são subordinadas ao ICAP-Instituto Cubano de Amizade com os Povos, um dos órgãos de que se vale a Inteligência cubana para sua atuação no exterior).
Agora, os dirigentes da delegação cubana ao 3º FSM, segundo o jornal Granma, são:
JOSÉ RAMON BALAGUER é JOSÉ RAMON BALAGUER CABRERA, membro do Comitê Central e do Conselho de Estado. Foi chefe do Departamento de Educação, Ciência e Tecnologia do Comitê Central nos anos de 1985 a 1990. Nos anos de 1991 e 1992 foi embaixador de Cuba na Rússia. Desde 1992 é chefe do Departamento de Orientação Revolucionária do Comitê Central. Em 1997 participou do 7º Foro São Paulo realizado em Porto Alegre em 31 de julho a 03 de agosto.
ABEL PRIETO é ABEL ENRIQUE PRIETO JIMENEZ, membro do Comitê Central; ministro da Cultura desde março de 1997; presidente da União de Escritores e Artistas desde novembro de 1993.
Recebi o seguinte e-mail do leitor Renato Drumond (a ele o meu agradecimento pela visita a esta página):
Vergonha é a palavra certa para a situação da Venezuela. A primeira pergunta que me vem à cabeça é: por que não criar primeiro o grupos Amigos da Colômbia, país que enfrenta o ataque de uma oposição ARMADA que controla TERRITORIALMENTE parte do país e mata CIVIS e INOCENTES? Infelizmente nós sabemos a resposta. A segunda pergunta que me vem é: existe argumento mais fraco do que apelar para a constituição venezuelana como defesa da legitimidade de Chavez? Além do fato de que a autoridade do governo emana do povo, um presidente que CONVOCOU uma assembléia constituinte e marcou eleições quando lhe era CONVENIENTE ( as eleições deveriam ter sido convocadas para o final do mandato para qual Chavez foi eleito ) não pode agora recusar o desejo da população através de um plebiscito. A tradição presidencialista latino-americana concede um poder excessivo ao presidente, o que lhe dá uma "margem legal" ao uso da força e da repressão dos direitos do indivíduo. Essa história já é antiga e começa em figuras como Perón, Vargas e tem como representante moderno marcante Fujimori. Aliás, Fujimori é um grande exemplo de é possível instalar-se uma ditadura morena ( em alusão ao socialismo moreno de Brizola ) disfarçada de democracia. É só possuir o controle da estrutura e determinar sozinho as "regras do jogo". É como uma partida de futebol em que um dos times também "árbitro". Como sempre, os latino-americanos são deixados a sua própria sorte, que não é das melhores. E nosso presidente Lula mostra como será seu governo: no Brasil, manterá a social-democracia tucana, com maior poder de centralização; mas a grande mudança é na política externa, em que o Brasil tomará a liderança do bloco esquerdista em nome da "justiça social" e contra o "neoliberalismo". Abraços e boa sorte,
Renato Drumond
e-mail - guidalli@gmail.com
Editor: Sandro Guidalli