Um leitor desta página, que prefere não ser identificado, mandou o seguinte e-mail:
Há um brutal engano em se fazer referência a uma entidade que não existiu, ou seja, esse famigerado DOI_CODI.
CODI: Centro de Operações de Informações. Órgão ligado ao Comando de Área, naquele tempo os Exércitos, com missões de Inteligência, mas particularmente de coordenação da Busca de Informes, que devidamente confrontados com outros e avaliadas as fontes quanto à idoneidade e veracidade, são transformados em Informações. Estas são simplesmente encaminhadas ao Comando que faz delas o que achar conveniente. O CODI era composto por analistas, a maioria com curso da Esni, que possuía três níveis e o mais alto exigia de seus cursandos uma alta qualificação intelectual. Nada de 007, apenas caras que confrontavam indícios, informes, notícias e as transformavam em Informações. DOI: Destacamentos de Operações de Informações. Eram pelotões ou menos do que isso, grupos chefiados por tenentes, sargentos ou agentes e investigadores, que cumpriam missões de busca de informes e não tinham nenhuma ligação com os CODI , isso é desconhecido dos leigos. Mas então quem mandava nos DOI, que não tinham esse nome por maldade, nem deboche ou sacanagem? Os comandantes de Área, que os empregavam conforme análise e proposta de sua Seção de Operações, que nada tem a ver com o CODI, que era um órgão separado do Estado-Maior do Comando de Área e era integrado por analistas oriundos de diversos setores da sociedade. Era o que hoje chamam erradamente de Força-Tarefa, para algumas missões, que não são de combate. É essa a breve história de uma sigla que nunca existiu, DOI-CODI. Até por precedência. O que está à frente, chefiado por subalternos e o que vem em segundo plano, lotado de pessoal com nível superior.
Fraga não quer
O real motivo para a indefinição do nome do novo presidente do BC tem pouco a ver com a agenda petista e muito com dois fatos. O primeiro: Armínio Fraga, convidado a permanecer no cargo pelo próprio PT, não topa mais a missão daquilo que ele mesmo já teria um dia proposto, que é ficar mais um ano no cargo para garantir uma transição traquila ao PT em seus primeiros 12 meses de aventura no governo federal. O segundo: ninguém quer pegar o abacaxi. Entre os sondados e convidados está um economista conhecido pela vaidade e que, teoricamente, adoraria substituir Fraga. Mas até os pavões recusam-se a pousar sobre a gávea petista. No mercado financeiro, o dólar fechou ontem a R$ 3,765. Deve voltar a subir nesta sexta.
Tragédia anunciada
Está crescendo o número de relatos entre amigos e conhecidos a respeito da tragédia da educação no país. Eu mesmo pude, recentemente, verificar pessoalmente o tamanho dela ao orientar um jovem garoto da família que me pedira ajuda numa tarefa de geografia e botânica. Mal sabia teclar o computador e a cada três palavras, uma saía errada. O Marcus Pimenta me contou ontem no Bar da Lagoa, junto aos amigos de mesa, o tipo de adolescente que está sendo criado pela classe média carioca. Ele entrou em contato com um deles a quem auxiliara em aulas particulares. Fanático por games, não sabe interpretar ou escrever um texto. Vive com os pais mas não é por eles orientado em nada. Tem dificuldades para expressar-se, para dizer quem é, o que faz, etc. Enquanto isso, os jornais voltaram hoje a noticiar nova pesquisa do Ministério da Educação. Na 4ª série do ensino fundamental, a nota média despencou. Se a coisa é grave no centro-sul, no Nordeste estamos vendo o nascimento de uma geração de idiotas. E a culpa é de todos nós.
Bananalândia
Enquanto Romano Prodi e os alemães tentam costurar uma constituição européia federalista, o que ampliaria os poderes da Comissão Européia, por aqui ainda é possível brincar de parlamento latino-americano antes que ele vire realidade. Seria o início de um grande país, a Bananalândia, como bem disse o João Pedro Jacques. Para mim, se a capital da Eurolândia é Bruxelas, a nossa deveria ser Assunção, cidade que simbolizaria nosso destino patético sob orientação marxista. Havana ficaria como uma espécie de São Petersburgo da nova era. Mas pelo menos uma coisa teríamos em comum com os europeus: o antiamericanismo doentio e fanático.
Cotas, cotas e mais cotas
À mesa ontem também discutimos o emergente racismo brasileiro. Já disse aqui que dentro de uns dez anos o Brasil já terá adotado o racismo à moda americana. É que as entidades de proteção ao negros, o sistema de cotas e o governo esquerdista tucano-petista vão se encarregar de projetar na sociedade democrática brasileira todo o rancor, o ódio e a desconfiança entre raças que imperam nas cidades dos EUA. Há quem garanta que o jeito brasileiro de amar não levando em conta estas questões étnicas menores acabará servindo de anteparo à política governamental racista. Espero sinceramente que os amigos que partilham desta tese estejam certos. Enquanto o racismo brasileiro prepara-se para decolar, o Banco do Brasil determinou que, a partir de agora, todas as imagens e ilustrações com pessoas em suas publicações levem em consideração o seguinte painel étnico: 10% de loiros, 10% de asiáticos, 30% de negros e 50% de morenos e pardos. Mas que discriminação com a galegada lá do sul pomba!
O volume de bons textos que chega ao meu conhecimento é infinitamente superior ao espaço que posso dar a ele. Por isso, decidi criar mais uma página para abrigar os melhores articulistas do jornalismo brasileiro na Web. São todos bem-vindos.
http://bloguidalli.blogspot.com
O Leitor comenta
A respeito dos "excluídos" africanos, o leitor e amigo Carlos Eduardo emenda:
O que eu também acho esquisita é esta mania de vincular elementos culturais africanos aos negros brasileiros. Ora, estes - pelos menos várias gerações após o fim da escravidão - são tão africanos quanto eu, um branco, sou português (na verdade, nós todos somos portugueses com tinturas afro-indígenas). Se pegarmos, por exemplo, a questão religiosa e fizermos um levantamento estatístico, veremos que aqui no Brasil a maioria dos negros não são umbandistas - são talvez evangélicos ou católicos, como o resto da população. Acho ridículo, portanto, o negro vestir-se com aquelas mantas (ah, tem também aquele chapeuzinho) ou querer aprender a língua nagô. Vem-me à mente uma excursão que Gilberto Gil fez à Benin em busca de suas raízes. Foi buscar longe o que está aqui perto.
Um abraço
No Jornal da Globo de ontem, a âncora, Ana Paula Padrão, atira: “ e veja em instantes como vivem os excluídos do continente africano”. Dito assim, numa chamada para o próximo bloco, parece um texto banal, corriqueiro. O telespectador mais atento, entretanto, sente o golpe. A exclusão supõe, entre outras coisas, a ação de alguém sobre que está ou foi colocado para fora de algo. Tomando-se ao pé da letra, a expressão da jornalista indica que alguém ou algo foi responsável pela atual realidade de “excluído” do africano. Neste caso, não é difícil chegar ao culpado. É o mordomo do capitalismo selvagem. O mesmo que apanha nas reuniões da ONU, no Fórum Social Mundial, em todas as mesas em que estejam sentados os representantes do marxismo mundial.
A divisão do mundo de Ana Paula entre oprimidos e opressores joga no lixo a história. É como se os africanos não fossem responsáveis pelo próprio destino. Estão presos à miséria e ao horror da guerra civil por culpa dos brancos de Wall Street, seres muito malvados. No cenário do jornalismo brasileiro, é mole Che Guevara virar o herói que tentou livrar parte daquele continente da opressão nos anos rebeldes. Nessa salada que mistura revolução marxista, globalização, guerra e racismo, faltam clareza, objetividade e imparcialidade.
Não está longe disso o escritor angolano José Eduardo Agualusa. Ganhou destaque hoje no Valor Econômico cujos editores adoram o estilo “Saramago” de ver a política global. Segundo ele, o Brasil vive uma guerra racial velada e os negros daqui “precisam recuperar a identidade que lhes foi roubada com tantos anos de escravidão e tantos outros de miséria”.
Curioso Agualusa. Se formos levá-lo a sério, chegamos à incrível conclusão de os negros brasileiros são impedidos há séculos de viver sua cultura, seus mitos, sua religião. Vamos fazer de conta que a Umbanda é restrita a meia dúzia de terreiros, sob constante vigilância das autoridades brancas do país que tentam impedir sua expansão. Imaginemos também que os orixás, o samba e Iemanjá nunca existiram. Aquelas baianas de Salvador escaparam de um hospício para desfilar no Sambódromo, outra alucinação coletiva. A Bahia mesmo não existe. Trata-se de uma invenção do poder branco opressor.
Resta saber se no mundo de Agualusa, ele mesmo acredita na própria existência. Desconfio de que ele é outra invenção. Mas da mídia enlouquecida pela ideologia que não consegue mais distinguer sonho de realidade.
Da série Histórias pouco contadas
Como o terror matou Henning Boilesen II
Acredita-se que o mentor original da morte do empresário Henning Boilesen tenha sido Carlos Lamarca, uma espécie de Che brasileiro, guerrilheiro frio e assassino que virou lenda e é cultuado pela imprensa brasileira como verdadeiro herói. O nome do empresário surgiu entre as organizações terroristas MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes), VPR, PCBR, ALN e MR-8 na boca de Herbert Eustáquio de Carvalho, o "Daniel" da VPR, sob orientação do capitão rebelde.
Em janeiro de 1971, ou seja, quatro meses antes do assassinato de Boilesen, Herbert teria pedido ao MRT que começasse a estudar o "justiçamento" do empresário. Os levantamentos começaram e depois de algumas tentativas frustradas, a vítima foi perseguida e morta nas imediações da Peixoto Gomide, na zona sul da capital paulista.
Era 15 de abril. Seis militantes participaram direta ou indiretamente de sua execução. Os principais: Yuri Xavier Pereira e José Milton Barbosa, ambos da ALN. O primeiro atirou contra Boilesen três vezes. Na estréia, atingiu-o na cabeça, de raspão. Na terceira, disparou seu fuzil Mauser sobre o rosto do empresário, já caído, arrancando parte de sua face esquerda. Nessa hora, Barbosa já o havia metralhado quando Henning tentava fugir a pé depois de ter largado seu Galáxie na esquina em que foi assediado.
O jornalista Elio Gaspari trata do assassinato de Boilesen rapidamente, em seu livro "A Ditadura Escancarada". Dedica 11 linhas a ele (pág 395) e limita-se a narrar a ação dos guerrilheiros. Comete um erro e arrisca uma informação. O erro é simples: diz que Boilesen era norueguês. Era dinamarquês. Afirma que era "ativo colaborador do DOI". Não cita fontes que possam atestar a informação. Adotou o que vem afirmando há anos a esquerda. Tentam justificar um pouco o assassinato do ex-presidente da Ultragás acusando-o de fazer parte da engrenagem da repressão.
Uma fonte altamente qualificada me informou recentemente que Boilesen nunca colaborou com as forças da Oban, a operação montada para centralizar o desmanche revolucionário. Esteve, é verdade, na sede do DOI na rua Tutóia. Mas uma única vez e mesmo assim para discutir a compra de novos lampiões a gás. Seu filho, a quem entrevistei no domingo, disse que desconhecia qualquer vínculo do pai com o regime na esfera da guerra contra a oposição armada. Mas Boilesen acabou "agente da CIA", uma fantasia dos esquerdistas que o empurrou para a morte.
Uma reparação
Sobre o caso Chandler, afirme aqui que o jornalista Elio Gaspari não o havia tratado em seu livro "A Ditadura Escancarada". Pois ele relata seu assassinato sim mas no primeiro livro, "A Ditadura Envergonhada". Faz de forma fria, sem citar seus assassinos mas não o deixou passar em branco, como dei a entender nos comentários que fiz aqui. Se repara em parte as falhas da sua obra, não o torna menos parcial. Seja como for, volto a repetir: os livros precisam ser lidos. São muito bons.
Explicando para confundir
Nivaldo Cordeiro - O artigo de autoria de Alberto Dines (“Civilidade e verdade”), publicado no Jornal do Brasil em 30 de novembro passado, em seu estilo claro e elegante mais esconde do que revela do objeto que procura analisar. Dines tenta perceber a eleição de Lula pelas óticas do partido vencedor (PT) e do partido perdedor (PSDB). Nas suas palavras:
“É preciso não esquecer que na temporada eleitoral recém-encerrada houve um confronto crucial. É uma balela acreditar que a disputa deu-se em torno do modelo econômico - qualquer cidadão minimamente informado sobre questões econômicas e o estado do mundo (sobretudo os economistas do PT) sabe que o atual modelo deve estender-se até o meio, senão todo, primeiro mandato de Lula. Enfrentaram-se, sim, dois partidos com concepções diferentes de atuação. E nessas concepções conflitantes embutem-se discrepâncias profundas, ontológicas”.
É um conhecido recurso sofístico afirmar aprioristicamente aquilo que deveria ser o objeto de demonstração. Será mesmo que houve um confronto político crucial nessas eleições? Ora, uma análise mesmo que superficial mostrará que não apenas os candidatos que passaram ao segundo turno rezavam pela cartilha da esquerda, eram todos, por assim dizer, camaradas (ou companheiros, para usar o jargão petista). Haveria algum tipo de confronto antológico se algum candidato de direita estivesse na disputa com chances de vitória. O fato melancólico é que não sobrou direita organizada no Brasil, existindo apenas a “direita da esquerda”, que esquerda é também.
É por isso que ele reconhece que o modelo econômico não estava em disputa, pois afinal os esquerdistas todos concordam no essencial, que é agigantar o Estado e maximizar a tunga tributária. O campeonato eleitoral apenas revelou quem era o mais estatista e intervencionista dos contendores. Venceu o mais radical.
Então podemos dizer que Dines está muito enganado – e que, portanto, querendo ou não, engana o seu público leitor – ao dizer que “nessas concepções conflitantes embutem-se discrepâncias profundas, ontológicas”. As diferenças entre PT e PSDB são apenas de grau e não de essência naquilo que defendem; Dines quer nos convencer do contrário.
O autor confunde tática de ação com essência de visão de mundo: “O PT sempre foi o partido de mobilização, o PSDB sempre foi o partido de acomodações. A questão não é apenas tática ou técnica, mas filosófica, primordial, assim como as discordâncias entre o stalinismo e o trotsquismo não se resumiram a idiossincrasias e metodologias”.
A analogia com as diferenças entre o stalinismo e o trotsquismo é bem adequada para mostrar o irrealismo da sua afirmação mais importante: essas correntes apenas variam na maneira de se fazer a revolução. Facções de um mesmo partido ainda formam uma unidade partidária. O seguinte trecho do artigo mostra que Dines cai em contradição em sua tese de diferenças “antológicas”:
“Só o debate aberto e franco pode tornar o PT mais realista e o PSDB mais consistente. O que não impede que em algum ponto das suas trajetórias tangenciem-se as respectivas versões de socialdemocracia. Escamotear divergências, acolchoar dissensões, fingir conciliações e falsas comunhões é curvar-se aos mitos da harmonia e cordialidade que tantos malefícios e atrasos trouxeram à sociedade brasileira”.
Dizer que “em algum ponto das suas trajetórias tangenciem-se as respectivas versões de socialdemocracia” é confessar que ambos são uma única e mesma coisa, nada havendo de relevante a diferenciá-los, exceto – e aqui ele propositadamente omitiu – que o PT é um partido revolucionário, que tem como objetivo último destruir o capitalismo. E essa opção tem conseqüências histórias as mais sérias, a começar pelo descompromisso com a “administração do capital”, eufemismo pelo qual quero dizer que as formas de populismo na gestão da coisa pública serão rapidamente ressuscitadas. O risco de se instalar a desordem sob o governo petista é real.
A exaltação que Dines faz da civilidade na transição é ainda um outro elemento a contradizer o seu argumento da divisão “ontológica” entre os dois partidos de esquerda. Não há divisão coisa nenhuma: FHC estará apenas passando o cetro ao seu filho político mais novo, tal e qual no filme “Ran”, de Kurosawa, conforme analisei em artigo anterior. E, como na tragédia de Shakespeare que foi base para o roteiro, poderá haver a desintegração do reino, vez que o novo governante é um despreparado para o exercício do poder.
No Domingo, por telefone, conversei com o filho do industrial dinamarquês, naturalizado brasileiro, Henning Boilesen. O pai foi morto no dia 15 de abril de 1971, na zona sul de São Paulo, a caminho do trabalho. Na ocasião estava com 29 anos e o pai, 55. Hoje está com 60 e comanda uma empresa de engenharia. Passa os finais de semana na casa da praia, em São Sebastião, geralmente na companhia do filho que leva o mesmo nome dele e do avô e que tem 42 anos. Foi lá que o encontrei.
O comportamento de Boilesen filho é típico dos familiares das vítimas do terrorismo. Ao contrário dos ex-revolucionários marxistas e de seus parentes, pouco fala sobre a guerra suja do período militar. É verdade também que pouco é procurado para falar. Em 30 anos, eu fui o segundo jornalista a entrevistá-lo. Disse que não tem qualquer vontade em relembrar os fatos ligados à morte do pai mas que, de bom grado, daria seu depoimento.
Mas neste primeiro contato conversamos informalmente. O relato dele: “De vez em quando me pego pensando sobre a morte do meu pai e é sempre a mesma coisa, é impossível entender. Ele não tinha relações com a repressão, era uma pessoa muito querida, tinha criado o Centro de Integração Empresa-Escola, era um cara preocupado com a formação dos trabalhadores. Curioso que ele tenha vindo da Dinamarca fugindo do nazismo para acabar morto aqui. Lá na Dinamarca nós falamos três línguas: o inglês para sermos compreendidos, o dinamarquês porque é a nossa língua natal e o alemão, para entender o que o inimigo diz. Para mim o seu assassinato foi algo surpreendente e até hoje não consigo ver algo que possa inserir o fato em algum contexto. Nunca indenizaram a minha família pelo que fizeram com ele. Até o seguro de vida foi muito difícil de obter”.
Ainda não fiz qualquer pesquisa para saber o paradeiro dos seus assassinos. A luta armada contra o regime militar os uniu na ação. Eram jovens e doentes. Achavam que matando um empresário bem sucedido poderiam atingir a ditadura. Mataram um pai de família, um fã de Chico Buarque e um fanático torcedor do Palmeiras.
Leia amanhã, quarta-feira: a ação do MRT e da ALN fazem a “justiça revolucionária”. Boilesen será morto.
Acabo de ler "A Ditadura Escancarada" (Cia. das Letras, R$ 44,00), o segundo volume dos cinco que compõem "As Ilusões Armadas", obra do jornalista Elio Gaspari que pretende ser uma espécie de "biografia" do período militar, entre 1964 e 1979. O livro, notem bem, o livro e apenas este livro, tem a meu ver uma grande qualidade e uma grande omissão. Mas, como já apontei aqui, é de leitura incontornável. Vamos ver, rapidamente, estes dois aspectos.
A grande qualidade:
O pesquisador conseguiu relatar com detalhes e, exaustivamente, o funcionamento da máquina de tortura azeitada pelo regime contra os revolucionários de esquerda. Gente inescrupulosa e que está, em parte, chegando ao poder agora, com Lula e o PT. Se já é condenável sob qualquer aspecto, o suplício imposto ao torturado em troca de informações passou dos limites. Foi banalizado. Morreram opositores armados e a soldo do comunismo internacional. Gente do tipo da que matou Chandler, Boilesen e outros inocentes. Mas morreram tipos como Rubens Paiva, sob pauladas. Ao concentrar as informações e relatos sobre a máquina do magneto e da cadeira do dragão, Gaspari é inigualável, no conteúdo e no estilo.
O jornalista também merece reconhecimento por algumas histórias narradas. A transição que vai de um Costa e Silva moribundo à ascensão de Garrastazú Médici, passando pela junta dos "três patetas", como já foi chamada a trinca dos generais pelo ex-deputado Ulisses Guimarães, é um dos grandes momentos do livro. Da mesma forma, a relação da imprensa e da Igreja com o poder militar, que ganharam capítulos em separado.
A grande omissão:
Brilhante nos relatos da tortura e do sofrimento dos opositores armados, Gaspari é de uma opacidade impressionante na hora de contar as circunstâncias e histórias do "outro lado", o das vítimas do terror. Enquanto aproxima os leitores de Carlos Lamarca (até poemas do guerrilheiro são publicados), ignora os terríveis aspectos das mortes de Charles Chandler, Henning Boilesen, o tenente Mendes e muitos outros que morreram estupidamente por idiotizados revolucionários. Há citações sobre os casos. Apenas. Faltam os detalhes que sobraram dos centros de tortura, dos torturados e, finalmente, dos torturadores. No caso do sequestro do embaixador suiço, nenhuma menção aos agentes mortos. Em abril de 1971, na ação que desmobilizou uma casa que servia de aparelho e de depósito de armas para o MR-8, alguns de seus membros são torturados e mortos. Um major é baleado mortalmente. Gaspari deplora a morte de uma guerrilheira e menospreza sua periculosidade para o regime. Mas restou uma contradição: se a organização criminosa era na ocasião insignificante, como ainda poderia manter um arsenal no subúrbio do Rio? Estocava-o para que fim? (pag.382)
Há outros casos. Não é possível agora relatar. Fica para outro dia.
Nota do Editor – A ausência do caso que conto rapidamente abaixo, no livro “A Ditadura Escancarada”, recém-lançado e parte da obra “As Ilusões Armadas”, do jornalista Elio Gaspari, não o diminui, absolutamente. Trata-se de leitura inescapável. Na minha opinião sobre o resultado da pesquisa do eminente jornalista, é uma lacuna perdoável mas uma lacuna. Há outras que pretendo, sem o talento dele, tornar menos aparentes.
Sandro Guidalli - No dia 12 de outubro de 1968, por volta das 8h, assim que girou a chave da ignição do opulento Impala ainda na garagem de casa, o capitão da marinha americana em estudos no Brasil com a família havia dado início a um dos seus últimos e prosaicos movimentos na vida. Poucos segundo depois de fazer funcionar o motor do carro, estaria morto, atingido por quatorze tiros. Charles Rodney Chandler fora alvo de um justiçamento, uma prática que tornou-se comum no país nos anos 70 graças aos guerrilheiros da luta armada que combatiam o regime militar.
Seu erro: ser um cidadão americano em São Paulo no auge da guerra suja entre revolucionários comunistas e militares no poder.
Achavam ou fingiam achar que era um agente da espionagem americana no país a serviço da ditadura. Estavam enganados. Em tudo, aliás. Chandler não fazia parte da guerra mas como representante do "imperialismo" ianque, foi sacrificado no altar da propaganda revolucionária contra o governo militar. A história de seu assassinato, dramática, é pouco conhecida. Ao terminar o embate, foi conveniente para o lado derrotado manter casos como o dele num lugar remoto da lembrança de alguns e limitado à saudade da mulher e dos três filhos privados de sua companhia. Pelo lado vitorioso, coube a poucos de seus componentes manter até hoje o seu assassinato na ordem do dia, tarefa, porém, sem respaldo da mídia e insuficiente para fazer dele um símbolo da crueldade de seus assassinos.
Talvez o oposto do caso Chandler seja Wladimir Herzog, jornalista ligado ao comunismo, encontrado morto na cela em que havia sido trancafiado pela repressão. Herzog virou herói. É nome de prêmio e um dos principais símbolos do sofrimento dos opositores do então regime dos generais. No grande altar dos santos da revolta armada, faz companhia a dois Carlos: Lamarca e Marighella. Um é ignorado o outro é lenda.
O destino de Chandler começou a ser determinado quando um minúsculo “tribunal revolucionário” integrado por três dirigentes da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) sentenciou: o bolsista da George Olmsted Foundation e aluno da Escola de Sociologia e Política da Fundação Álvares Penteado seria executado. Seus carrascos: Pedro Lobo de Oliveira, o Gegê, Diógenes de Oliveira, o “Luiz” e Marco Antônio Braz de Carvalho. Diógenes, 34 anos mais tarde ressurgiria no noticiário nacional pela porta policial: era o elo de ligação entre o governo gaúcho petista de Olívio Dutra e a banca de apontadores do bicho. Entrara em cena como assassino. Saiu pelo corredor da corrupção.
Chandler foi morto por vários tiros dentro do Impala que manobrava em direção à rua. Antes de o atingirem, havia se despedido do filho Jeffrey, de 4 anos e acenara para a mulher, Joan. Quando se preparava para arrancar, o grupo da VPR o cercou. O primeiro a atirar foi Diógenes de Oliveira. Despejara sobre Chandler o tambor de um Taurus calibre 38. Em seguida, a rajada de uma metralhadora INA completou o serviço. Na platéia, a esposa e o garoto de Chandler. No local do crime, alguns panfletos: “Justiça revolucionária executa o criminoso de guerra do Vietnã, Chandler, e adverte a todos os seus seguidores que, mais dia menos dia, ajustarão suas contas com o Tribunal Revolucionário.
A família de Chandler vive hoje nos Estados Unidos. Tenho tentado obter informações sobre o seu paradeiro. A falta de curiosidade da maioria quase absoluta dos jornalistas sobre certos casos do período que adoram reviver começa na preguiça ideológica e acaba na ignorância. Se depender da grande mídia, nada mais saberemos, exceto o que convém aos seus controladores.
Elio Gaspari privilegiou o resultado da máquina de tortura montada no regime. Foi implacável na busca dos detalhes, contou tudo, exaustivamente. Negligenciou o outro lado. Citou Chandler sem criar vínculos entre ele e os leitores. Procedeu de forma diferente com os torturados e, principalmente, com as lendas da luta armada. Enquanto nega aos leitores os detalhes da vida de um “justiçado” da esquerda armada, publica poemas de Lamarca. Ratifica a história ideal. Amplia a real, mas parcialmente. Voltarei a comentar o livro.
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2002/11/30/pol031.html
Título da matéria: Partido envia um de seus quadros mais moderados para encontro na Guatemala
No poder, o PT tende a mudar não apenas o comportamento dentro do País, mas também nas relações com antigos parceiros no exterior. É o que indica sua atitude cautelosa diante do 11.º Encontro do Foro de São Paulo (FSP), que começa segunda-feira em Antigua, na Guatemala. Fundado por Luiz Inácio Lula da Silva e Fidel Castro em 1990, para ser um canal sistemático de debates e consultas entre partidos de esquerda América Latina, o foro sempre contou entusiasmado apoio do PT. Em várias ocasiões as delegações brasileiras foram chefiadas pelo próprio Lula. Neste ano, porém, o partido está enviado um de seus quadros mais moderados, o deputado Paulo Delgado, de Minas Gerais.
O candidato natural para a viagem à Guatemala seria o senador eleito Aloizio Mercadante, da secretaria de relações internacionais do PT. No período do encontro, porém, Mercadante acompanha Lula em sua viagem à Argentina. A coordenadora-executiva da secretaria, Ana Stuart também viaja com o presidente eleito.
A designação de Delgado resolve dois problemas de ordem diplomática para o PT. Em primeiro lugar, ao enviar um parlamentar moderado, com perfil social-democrata, indica até onde pretende levar as mudanças ideológicas pelas quais passa o partido. Em segundo, Lula, que era o ator mais aguardado do encontro, afasta dúvidas que sua presença no foro poderia sugerir sobre o projeto petista para o País.
Pelas armas – A maioria dos participantes das reuniões são partidos institucionais e frentes de oposição. Como o Partido Socialista Brasileiro, o Partido Revolucionário Democrático do Panamá, o Partido Comunista do Chile, a Frente Sandinista de Libertação Nacional e vários outros. Mas também participam organizações que defendem a tomada do poder pela força das armas. Como o Exército de Libertação Nacional (ELN) e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército Popular (FARC-EP).
Com sua cautela, o PT permite a Lula se encontrar, sem maiores constrangimentos, com o presidente George W. Bush, dez dias depois, em Washington. No discurso que preparou para o encontro, Delgado deverá enfatizar “o crescimento da democracia na América Latina, a rotina democrática se tornando a regra de acesso ao poder e o respeito aos resultados eleitorais”.
Delgado também destacará a necessidade de se buscar a paz na Colômbia, defenderá a importância de uma solução negociada para a crise Argentina e condenará o ambiente golpista na Venezuela de Hugo Cháves. (Ariosto Teixeira, com colaboração de Roldão Arruda).
Cometário do editor do blog, Robson Caetano - Agora que Lula já chegou Lá, esta notícia soa melancolicamente hipócrita, quando durante toda a campanha presidencial ninguém falou do Foro e muito menos que as Farcs e a ELN eram 'companheiros' do PT nas reuniões do grupo. Quando Serra tentou timidamente levar este fato a público, coisa que só o pregador do deserto Olavo de Carvalho fez, a justiça eleitoral, a pedido do PT, proibiu que Serra colocasse no ar o programa que associava o PT com as Farc. Durmam com essa!
Nota de Sandro Guidalli: O Robson tem razão mas não foi apenas o Olavo de Carvalho quem denunciava o vínculo do PT com o Foro durante a campanha. Muitos outros o fizeram, inclusive eu. A diferença é que o filósofo e jornalista atingia público bem maior, com suas colunas em jornais como O Globo e Zero Hora
Acredite se quiser - http://acreditesequiser.blogspot.com
Exemplo de imparcialidade com que israelenses e palestinos são tratado pelo Jornal "O Estado de São Paulo".
Pistoleiros palestinos atacam Likud - o texto mostra que o ataque (e não os pistoleiros) deixou seis israelenses mortos (e não assassinados). SUGERE QUE AS SEIS PESSOAS MORRERAM NUMA ESPÉCIE DE ACIDENTE.
Adolescente palestino é morto por soldados israelenses - o texto mostra que um garoto palestino foi assassinado (e não morto) enquanto caminhava para a escola. SUGERE O ASSASSINATO DE UMA CRIANÇA INOCENTE EM IDADE ESCOLAR.
http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2002/nov/29/178.htm
Israel demole casas de pistoleiros que atacaram Likud
Ramallah - Soldados israelenses derrubaram nesta sexta-feira as casas das famílias de dois pistoleiros palestinos que atacaram ontem o diretório do Partido Likud no norte de Israel, em meio à realização das eleições primárias da agremiação, deixando seis israelenses mortos e mais de 20 feridos. Os pistoleiros pertenciam às Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, uma milícia ligada ao movimento político Fatah, do líder palestino Yasser Arafat.
http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2002/nov/30/63.htm
Adolescente palestino é morto por soldados israelenses
Jerusalém - Um garoto palestino de 16 anos foi assassinado e outro foi ferido a tiros por soldados israelenses neste sábado, quando caminhavam até a escola em Gaza, informaram fontes ligadas a hospitais. Testemunhas disseram que um grupo de estudantes caminhava rumo à escola quando passou a cerca de 700 metros de um posto avançado do Exército de Israel no entroncamento de Karni, e os soldados abriram fogo.
e-mail - guidalli@gmail.com
Editor: Sandro Guidalli